terça-feira, 20 de julho de 2010

Automobilismo para mulher

Este ano, pela primeira vez na história, o Brasil teve uma representante em uma categoria top do automobilismo mundial. A piloto é Ana Beatriz Figueiredo, a Bia, que fez a sua estréia na Fórmula Indy, em 14 de março, na São Paulo Indy 300.

Apesar de estar em uma categoria bastante receptiva a representantes do sexo feminino, as dificuldades em um meio predominantemente masculino continuam sendo uma barreira para a entrada de mulheres no esporte a motor.“Eu acho que ainda não é cultural. As mulheres estão começando”, explica Bia Figueiredo.

Hellé Nice foi pioneira neste meio. A francesa iniciou a carreira no final da década de 20, e chegou a disputar provas no Rio de Janeiro e em São Paulo. A passagem de Nice pelas pistas foi interrompida graças a uma acusação, nunca comprovada, de que ela teria colaborado com o regime nazista de Adolf Hitler.

Algumas poucas mulheres seguiram os passos da piloto francesa. A Fórmula 1, principal categoria do automobilismo mundial, só acendeu as luzes de seus circuitos para uma mulher em 1992. Era a italiana Giovanna Amati, que tentou se classificar para o grid três vezes, sem obter sucesso. Em 60 anos do mundial, apenas outras quatro mulheres chegaram a categoria.

“Eu cheguei a ver na Fórmula 1 uma única mulher. Não, duas! Eu vi a Leila Lombardi e a Divina Galica, que eram a grande exceção. Hoje já não é. Todas as categorias têm. Agora, na Fórmula 1 eu já acho mais difícil”, afirma o comentarista Reginaldo Leme.

Em dos principais motivos apontados para a ausência de mulheres no mundial, é a questão física. O octacampeão de kart Sergio Jimenez avalia que a modalidade exige um grande preparo físico. “O automobilismo exige muito fisicamente. Então você precisa estar muito bem preparado na musculatura e no aeróbico.”

O preparo exigido não é exclusividade da F1, como explica Lucas Finger, piloto da Copa Montana. “Eu tenho que me dedicar demais. Faço academia duas vezes por dia. Alimentação bem regrada, com legumes e verduras. Nada de álcool. Eu sou proibido mesmo.”

Mesmo na Indy, categoria na qual o preparo físico não precisa ser tão rigoroso quanto na F1, os pilotos buscam a melhor condição. “Geralmente o que eu costumo fazer é a pré-temporada. Pegar forte no físico”, explica Bia. “Eu tenho que trabalhar muito, principalmente pelo fato de ser mulher.”

O nível de exigência da Fórmula 1 é ainda mais difícil. “Eu não estou falando da fragilidade da mulher em si. Eu parto do principio que geneticamente a mulher foi feita para determinadas coisas”, explica Leme. “Mas no momento em que houver um afunilamento muito grande, como é o caso da Fórmula 1, a mulher vai ser naturalmente excluída” analisa o comentarista.

O próprio Bernie Ecclestone, o todo poderoso da F1, vê a presença de mulheres na pista como um grande atrativo de público e patrocinadores. “Como ele tem visão de marketing, fala que ele já teve um negro campeão do mundo, só falta uma mulher. Uma mulher que se destacasse”, afirma o comentarista da Tv Globo.

O número limitado de vagas disponíveis na principal categoria do esporte a motor é outra barreira para a participação feminina. “São 20 lugares. Você sabe o que é isso? Levando-se em conta que em cada país saem uma média de 30 pilotos de kart por ano, para ficar na F1. Então como é que uma mulher vai competir com esse afunilamento? Só se fosse gênio”, explica o jornalista.

As categorias norte-americanas têm despontado como uma opção. Alavancadas pela participação de Danica Patrick, a primeira mulher a vencer uma corrida na categoria, em 2008 no circuito de Motegi, outras mulheres vestiram a bala clava. Nesta temporada, estão nas pistas da Indy a venezuelana Milka Duno, a suíça Simona de Silvestro e a americana Sarah Fisher, que além correr é proprietária de uma equipe.

“Em todo o meu kartismo eu sempre sonhei em ir para a Fórmula 1”, revela a piloto brasileira. “Eu tentei, mas hoje as condições são muito difíceis. A partir do momento que eu vi que as coisas eram muito mais difíceis do que eu imaginava, eu coloquei na minha cabeça que qualquer categoria top do mundo, ou qualquer categoria que me desse a oportunidade de ser um profissional, de viver de automobilismo eu já estaria feliz.”

“É igual no futebol pensar em ir para a seleção, né? Mas acho que a gente vai amadurecendo e vê que o sobrenome não pesa muito”, explica o piloto de Stock Car. “Mas é o sonho de todo mundo andar na Fórmula 1”.

Apesar das dificuldades, que existem inclusive para os homens, todos os pilotos que alcançam a realização profissional, nos mais diversos circuitos do mundo, mantém o mesmo entusiasmo do inicio da carreira. “Quando eu entrei num kart pela primeira vez, eu fui na contramão na pista de Interlagos. Eu tinha oito anos, sentei no kart e virei para o lado errado”, relembra a piloto que correu pela Dreyer & Reinbold. ”Eu não tinha noção do que eu estava fazendo. Estava tão feliz de andar. E hoje, depois de 16 anos de corrida, eu estou quase chegando ao meu objetivo. Se eu fechar o olho e lembrar tudo que eu passei, é algo que arrepia.”

“Automobilismo para mim, além de ser a minha profissão é a minha paixão. É o que eu amo fazer. E eu me sinto uma pessoa muito sortuda de ter a oportunidade de estar onde eu estou. De ter todas as oportunidades que eu tive. De estar neste momento. Porque de 50 pilotos que correram comigo, provavelmente só cinco chegam. E saber que eu sou um deles é muito gratificante” avalia Bia. “É muito trabalho. Não é fácil. Mas eu sou muito feliz porque estou fazendo o que eu gosto”, finaliza a brasileira.

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